Com parte dos seus filiados colecionando “polêmicas” envolvendo falas racistas e de apologia ao nazismo, o partido da extrema direita alemão AfD ganhou seis cadeiras no Parlamento Europeu. O crescimento levantou preocupação da comunidade internacional.

Fundado em 2013, o Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha) tem ideias antimigratórias e contra a mitigação de impactos das mudanças climáticas. Eles também se consideram “eurocéticos”, que não acreditam na integração europeia.

Partido virou segunda maior força alemã no parlamento. Após as eleições das últimas semanas, a legenda ficou com 15 das 96 cadeiras alemãs na União Europeia, com 15,9% dos votos.

 

Candidatos têm falas que violam direitos humanos

Líder municipal afirmou que ‘africanos têm QI inferior’. Em março de 2024, o conselheiro distrital Roland Schliewe, de Sonneberg, afirmou que refugiados do norte africano não deveriam receber empregos por ter um QI baixo. Uma investigação criminal foi aberta pela polícia de Rudolstadt.

Candidato foi multado após usar slogan nazista proibido no país. Bjorn Hocke, líder do partido na Thuringia, foi julgado e condenado por usar o termo “Alles fur Deutschland” durante campanha em 2021. Após decisão judicial em maio de 2024, ele precisou pagar 13 mil euros (equivalente a R$ 74 mil).

Caso mais recente fez AfD ser expulsa de grupo da extrema-direita europeia. Em maio, o principal nome do partido, Maximilian Krah, afirmou que agentes do grupo paramilitar nazista SS “não são automaticamente criminosos”.

Após a repercussão da fala, ele foi retirado da liderança da AfD e, em seguida, afastado do partido. O caso também fez o Partido Identidade e Democracia, que representa a extrema-direita no Parlamento Europeu, expulsar a legenda alemã do seu quadro.

Krah foi eleito para o parlamento europeu e Schliewe foi reeleito para o conselho de Sonneberg. O candidato Bjorn Hocke deve concorrer ao cargo de governador nas eleições locais da Thuringia, em setembro de 2024.

 

Apesar das falas, especialistas não veem afrouxamento nas leis antinazistas

Mesmo com as falas criminosas de seus membros, AfD não pode ser considerada nazista. Oficialmente, o partido é considerado de extrema direita ultraconservadora, já que nunca defendeu, publicamente, os ideais do Partido Nacional Socialista Alemão, explicam os professores.

O desmantelamento das estruturas nazistas foi uma das prioridades após o fim da Segunda Guerra Mundial. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que, seja durante o período de Guerra Fria ou após a unificação, essa premissa se manteve para que nenhum “revisionismo histórico” fosse feito.

Hoje o nazismo é criminalizado na Alemanha. A criminalização ocorre de forma explícita, como na proibição de exibição de suásticas, e também de forma indireta, como no “estranhamento social” ao termo “propaganda”, que era comumente usado por Adolf Hitler e hoje é evitado no país.

As penas mais duras do Código Penal Alemão são contra o nazismo, afirmam os professores. Um dos exemplos é a lei número 86a do Código Penal, que pune com pena de até três anos de prisão quem ostentar símbolos ou fazer qualquer apologia aos partidos políticos considerados institucionais.

Aumento da notoriedade da extrema direita levanta alerta para combate à apologia ao nazismo. Para a professora Regiane Bressan, da Unifesp, o crescimento da extrema direita tem reforçado as medidas contra apologia ao nazismo na Alemanha. A “consciência coletiva” também é um fator que ajuda neste combate, afirma Roberto Uebel, professor da ESPM.

“Podemos dizer que há um ‘contrato social’ na sociedade alemã para que não se tenha qualquer possibilidade para a retomada dos ideais nazi-fascistas. Tanto é que a própria AfD consegue contornar essa legislação. Ele nunca vai dizer que ele é nazista ou nazi-fascista. Acaba adotando um discurso obviamente de extrema direita, ultrarradical, mas nunca defendeu publicamente os ideais do Partido Nacional Socialista Alemão.” (Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM)

 

O que motiva o crescimento da extrema direita

Saída de Angela Merkel contribuiu para volatilidade política. Para os especialistas, os 17 anos de governo da candidata da União Democrata-Cristã foram repletos de coalizões bem articuladas que não permitiram o crescimento da extrema direita nem da extrema esquerda no país.

Entrada de Scholz obrigou formação de novas coalizões e trouxe “instabilidade” à Alemanha. Diante do cenário instável, a qualidade de vida da população mais pobre caiu, gerando maior insatisfação e fertilizando a semente do populismo.

“A Angela Merkel marcou uma era de estabilidade, de moderação. Ela conseguiu garantir que nós não tivéssemos um avanço tão significativo da extrema direita como temos hoje. O Olaf Scholz, do Partido Social Democrata, assumiu o governo em um contexto muito mais fragmentado.” (Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp)

“A força política da AfD ocorre sobretudo nos estados da antiga Alemanha Oriental, no leste alemão, a parte mais pobre da Alemanha. Essas pessoas não se veem atendidas pelo governo federal. Não se veem atendidas, inclusive, pela própria União Europeia, caindo neste discurso messiânico, populista.” (Roberto Uebel, professor de relações internacionais da ESPM)

Crescimento entre jovens. A fatia na qual a AfD teve maior crescimento de votos foi no grupo de eleitores com menos de 24 anos. A legenda saiu de 5% dos votos deste grupo em 2019 para 22% em 2024.

Presença nas redes sociais e “viralização” de conteúdos justificam crescimento. A inclusão de vídeos virais nas redes sociais, feitos quase sempre com candidatos jovens, ajuda a angariar seguidores, na interpretação dos especialistas. A temática dos vídeos, que costumam tratar de temas ligados à identidade nacional, migração e segurança, também.

“Os jovens se sentem alienados, desapontados com os partidos tradicionais, o que é próprio também da crise democrática. Isso dissemina as mensagens do grupo de forma muito ampla quando eles tocam na política tradicional, já que prometem mudanças radicais como uma alternativa.” (Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp)

Comunidade alemã monitora partido. O Serviço de Inteligência da Alemanha incluiu a AfD sob vigilância por risco de ameaça à democracia no ano de 2021. Internacionalmente, outras instituições europeias e órgãos de direitos humanos também têm a legenda sob vigilância, afirma a professora da Unifesp.

“O Judiciário e a polícia têm mantido vigilância rigorosa sobre as atividades do partido e de seus membros, especialmente quando se trata de incitação ao ódio ou violência.” (Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp)

“Pacto de cavalheiros” não deve deixar legenda crescer ainda mais, analisa professor. A definição dos chanceleres alemães é feita por coalizões partidárias e, para Uebel, todas as outras legendas do parlamento evitariam se ligar ao partido.

“Está muito claro na Alemanha de que a AfD é excluída. A não ser que outra força política surja nesses próximos anos, é muito difícil que partidos façam acordo com eles. É quase que um ‘pacto de cavalheiros’ de não se ter coalizões Com a FD.” (Roberto Uebel, professor de relações internacionais da ESPM)

 

Fonte: UOL Internacional
Foto: Annegret Hilse/Reuters